Mediação Imobiliária

Tudo aquilo que provavelmente não sabe sobre mediação imobiliária

Nota do autor

Sou consultor imobiliário RE/MAX Collection. Não fosse esta a minha actividade e dificilmente teria conhecimento, experiência e sensibilidade para me propor a escrever um texto sobre a mediação imobiliária residencial em Portugal. Dito isto, este artigo é um esforço isento e totalmente editorial para lhe trazer aquilo que me parece ser informação relevante sobre o tema. Mas tal qual está escrito no estatuto editorial desta publicação (cuja leitura aconselho): é essencial que o leitor possa "formular a sua própria opinião, com base em informações e factos objectivos".

 

Segundo o Banco de Portugal, em 2019, 49% da riqueza total dos portugueses era composta por imóveis de habitação. Dito por outras palavras, metade do valor património total dos portugueses são casas. Se pensarmos que boa parte da população não é titular de imóvel algum, é fácil de imaginar que, para aqueles que têm casas em seu nome, essas habitações tendem a representar a vasta maioria do seu património. Ou seja, para a esmagadora maioria de nós, comprar e vender casa são os maiores negócios das nossas vidas.

Para conseguir, num texto apenas, passar o maior volume de informação possível (e da forma mais inteligível), vou ignorar o mercado de arrendamento e focar-me em exemplos relativos à compra e venda de imóveis. Em todo o caso, muito do que é verdade para a mediação da compra e venda de imóveis, aplicar-se-á também ao arrendamento.

O que é a mediação imobiliária?

A mediação imobiliária consiste na actividade de empresas, em nome dos seus clientes, de promover imóveis com vista à sua venda, permuta, trespasse, arrendamento; bem como na procura de imóveis para esses mesmos fins.

 

As empresas de mediação imobiliária

O relatório de Outubro de 2019 do Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção (IMPIC, instituto na dependência tutelar do Ministério da Economia que regula e fiscaliza o sector da construção e do Imobiliário) refere que, a 31 de Dezembro de 2018, havia 6.257 empresas em Portugal com licença de mediação imobiliária. Das quais 4.552 o IMPIC apurou dados sobre o volume de negócios e o número de efectivos: 91,72%, 4,75% e 0,31% são, respectivamente, micro, pequenas e médias empresas.

 

Muitas das empresas de mediação imobiliária, embora juridicamente independentes, trabalham sob o chapéu de grandes marcas de mediação imobiliária. Sendo que, e ainda segundo o estudo do IMPIC, no TOP 20 Nacional de 2018 (das quais 18 estão localizadas na Área Metropolitana de Lisboa e 2 na Zona Norte), encontram-se empresas com volumes de negócio entre os 6,5 e os 28 milhões de euros. Mas neste TOP 20 encontramos também empresas cuja actividade fulcral é a mediação imobiliária no segmento comercial (JLL e CBRE), promotoras imobiliárias, construtoras, gestoras e recuperadoras crédito. Sobram 11 empresas cuja actividade principal é claramente a mediação de imobiliária no segmento residencial. Destas onze, seis operam sob a marca RE/MAX, uma sob a Porta da Frente | Christie’s, outra sob a JLL, uma sob a DECISÕES E SOLUÇÕES, outra sob a ZOME e uma outra sob a ERA.

 

As marcas de mediação imobiliária

Não tenho como apurar quantas marcas de mediação imobiliária actuam em Portugal mas é fácil de perceber que, um pouco por todo o lado, pequenas marcas de bairro convivem com grandes marcas internacionais. É visível que são estas últimas que dominam o espaço público: seja pela visibilidade das suas agências, campanhas publicitárias ou até pela presença dos seus agentes nas redes sociais. Também é fácil de imaginar que marcas com uma presença internacional sejam as referências mais óbvias para os clientes estrangeiros que têm proliferado por Portugal nos últimos anos. Mas isto não invalida que não haja pequenas marcas de mediação imobiliária totalmente modernizadas, ou especializadas no acompanhamento de clientes estrangeiros (como é o caso de muitas empresas a operar no Algarve).

por astudio

E a tecnologia?

Vinha-se falando cada vez mais das auto intituladas marcas de mediação de base tecnológica. Procurei pelas três empresas que tinha na memória, todas elas amplamente anunciadas pela imprensa nacional no Verão de 2019. A HOUSEFY prometia a venda de imóveis em 60 dias. Hoje, depois de uma pesquisa rápida no seu site, encontrei 11 imóveis em toda a cidade de Lisboa (conheço muitos agentes imobiliários cujos portefólios pessoais têm mais casas para venda). A SHERLOCK ambicionava uma quota de 5% em 2022 e um responsável da KAZZIFY dizia que “todas as transacções eram feitas online”. Hoje não consigo sequer encontrar o site de nenhuma destas duas marcas de mediação.

 

É cool dar uma entrevista a dizer que se recorre ao algoritmo x,y ou z, e pode até ser verdade que a comissão é inferior aos valores praticados pelas marcas que todos nós conhecemos. Mas uma empresa com meia dúzia de operativos a praticar comissões abaixo de mercado significa duas coisas: pouco potencial de angariação de negócio e ainda menor capacidade em atrair parcerias com outras marcas imobiliárias. E com toda a honestidade, não vejo como a soma das duas possa gerar resultados muito atraentes. Recorrer a big data pode ser útil para se ter uma percepção da evolução dos preços numa determinada área, mas é manifestamente insuficiente para se fazer um estudo de mercado de uma propriedade específica. E não é preciso ter um algoritmo xpto para se vender um imóvel com uma visita virtual 3D. Só tem que se contratar uma empresa especialista em produção de fotografia e vídeo de arquitectura, com o material adequado para o fazer. A verdade é que tudo o que as ditas marcas fizeram foi rebaptizar o conceito low cost através de um mito tecnológico e esperar que uma comunicação jovial gerasse resultados. Não creio que poupar dinheiro na promoção do nosso bem mais valioso seja a melhor das estratégias. E, aparentemente, o mercado também não achou.

por tampatra

Comissões: como, quando e porquê?

Para quem vende casa.

Em Portugal, a esmagadora maioria do negócio de mediação imobiliária residencial é facturada aos proprietários. Ou seja, quando se recorre a uma mediadora para a promoção de uma casa, é celebrado um contrato de mediação imobiliária no qual fica definida uma comissão. O pagamento dessa comissão é devido caso a mediadora encontre um comprador para o imóvel em causa. E o seu valor é definido, na esmagadora maioria das vezes, por uma percentagem sobre o montante pelo qual a transacção é fechada, à qual é acrescentado o IVA à taxa em vigor.

 

Para quem compra

Quem procura casa em Portugal não formaliza, na esmagadora maioria das vezes, qualquer tipo de vínculo a um mediador imobiliário. Isto significa que pode ter um profissional a prestar-lhe um serviço sem que lhe seja cobrado qualquer fee (mais à frente vai perceper porque é que é importante saber como é que este consultor vai ser remunerado e o impacto que isso pode ter para si quando está no papel do vendedor). Mas há uma tendência para que esta relação comece a ganhar contornos formais. O argumento das mediadoras que têm apostado neste tipo de abordagem é que, apenas assegurando a remuneração de quem o acompanha na busca de casa, é que um cliente comprador assegura toda a dedicação de um consultor imobiliário. O que, não sendo necessariamente uma verdade universal, é seguramente uma observação plena de pertinência.

 

 

Contrato em aberto ou em exclusivo?

Esta é, regra geral, uma das grandes dúvidas de quem decide entregar a promoção da sua casa a especialistas de mediação. É inegável que um contrato que não obrigue à exclusividade dá mais liberdade de escolha a um proprietário. Por outro lado, e aplica-se aqui um racional elementar: quanto mais condições der a alguém para trabalhar, melhores se espera que possam ser os resultados. E a evidência de que uma angariação em exclusivo tem mais recursos alocados é a seguinte: qualquer profissional que se disponibilize a trabalhar em aberto, vai enumerar sempre os recursos adicionais a que poderá recorrer, se lhe der a oportunidade de promover o imóvel em exclusivo. Fazendo a escolha da pessoa e marca certas, sou da opinião de que mais vale ter um bom profissional ao seu lado a trabalhar com todos os recursos, que ter dois ou três para os quais a sua casa pode ser “apenas mais uma”. Por outro lado, e isto é igualmente inegável, uma má escolha da empresa e pessoa para promover o seu imóvel em regime de exclusividade, pode representar um prejuízo maior. Mas há um motivo pelo qual duas ou mais mediadoras não chegam necessariamente a um número maior de potenciais compradores que uma só marca de mediação. E esse motivo chama-se partilha.

por sunakri

Partilha (ou parceria)

Esta é, no meu entender, uma das palavras que mais deve ouvir da boca da(s) pessoa(s) a quem considerar conceder o direito de promover os seus imóveis. A partilha (ou parceria) é o mecanismo através do qual, num contexto de mediação imobiliária, duas partes diferentes partilham a comissão de um mesmo negócio. Geralmente, quando um consultor imobiliário fala de partilha com um cliente, refere-se à disponibilidade para partilhar, com outras marcas imobiliárias, a comissão que o proprietário acordou em pagar, caso se concretize o negócio. Se tal acontecer, essa comissão (que tem de estar definida no contrato de mediação imobiliária) é, quase sempre, dividida irmãmente entre a marca imobiliária que angariou a propriedade e a marca imobiliária que encontrou comprador ou arrendatário para aquela casa.

Esta não é apenas uma forma de prestar um melhor serviço ao cliente que se representa, e remunerar cada uma das partes que contribuiu para a concretização de um negocio. É também o mecanismo que permite que algo tão elementar e desejável quanto isto: que qualquer pessoa que queira comprar ou vender uma casa (ou permutar ou arrendar) não tenha que contactar cada uma das marcas imobiliárias a operar no país para tentar cobrir todo o mercado.

 

Este vídeo explica a partilha da forma mais simples possível.

 

Neste capítulo acredito que a melhor prática é a das marcas que apresentam os imóveis associados directamente ao agente responsável pela angariação (ou seja, aquele que mereceu a confiança do proprietário para o promover). Essa prática promove desde logo o contacto imediato com a fonte primária de informação e agiliza toda a cadeia de procedimentos que separa o momento em que se coloca um imóvel à venda e o fecho da sua venda.

Em algumas empresas, por via da sua politica de acompanhamento de clientes compradores, promove-se o aparecimento do uma terceira pessoa que fica entre o cliente final (ou o agente de outra marca imobiliária que o represente) e o profissional responsável pela angariação. Esta abordagem, quanto a mim, tende a promover a perda de tempo, informação e, mais importante que tudo, eficácia na promoção da propriedade.

 

 

As marcas de mediação para as quais a parceria não é uma prática corrente (e as consequências que isso implica)

Nem todas as marcas imobiliárias estão dispostas a fazer parcerias com os seus concorrentes e a partilhar comissões. E sobre isso gostava de dizer desde já o seguinte. Uma marca imobiliária que não faz parcerias com outras marcas está a fazer uma opção muito simples: a dar prioridade à retenção da comissão na sua totalidade em detrimento de alargar e ampliar o universo de pessoas que sabem que aquela casa está disponível e que podem apresentar uma proposta por ela.

 

Casos concretos? A ERA só começou a aceitar fazer partilhas com outras marcas em 2020. Comunicar a toda uma equipa comercial que afinal lhes é permitido fazer aquilo que, em todos estes anos, estavam impedidos de levar a cabo, constitui uma mudança radical em matéria de cultura organizacional. Até agora, a resposta mais clara que obtive de contactos com agências daquela marca imobiliária foi a seguinte: enviar um e-mail para que director comercial ou gerente decidam se podem ou não fazer partilhar daquele imóvel. Já se sabe que o que vai ditar a decisão final será a percepção de conseguirem fechar o negocio com um cliente comprador da sua esfera. Mas será preciso lembrar que o valor de transacção de um imóvel pode ser influenciado radicalmente pelo número de potenciais interessados? E que situações em que há duas ou três propostas por um imóvel, perspectivam um fecho de negócio muito mais favorável para o proprietário? Boicotar a entrada de um potencial interessado na corrida por um imóvel cuja venda se está a promover, é ferir o pressuposto de que se tem por objectivo proporcionar o melhor negócio possível ao nosso cliente (ou seja, vender a casa pela proposta mais interessante). Perceba-se o grau de absurdo que está em causa: a própria empresa que se propõe a promover o imóvel é a mesma que, literalmente, passa aos seus potenciais parceiros de mercado a mensagem de que “a casa não está disponível para os vossos clientes”. Estamos a falar da segunda maior rede de mediação imobiliária em volume total de negócios em Portugal pelo que, reconheça-se os números, muita coisa a ERA terá de fazer bem.

 

A SOTHEBY’S (outro novato nas andanças das parcerias) consegue a proeza de ter uma politica ainda mais restritiva à partilha de imóveis que a ERA. A acção desta mediadora é tão penalizadora para o melhor interesse dos seus próprios clientes que, uma vez conseguida a dita aprovação superior para que uma outra marca imobiliária possa levar um cliente a visitar um imóvel promovido pela SOTHEBY’S, aquilo que estão dispostos a fazer é, segundo eles mesmos, um protocolo em que o parceiro poderá receber entre 10% a 20% da comissão. O que, na esmagadora maioria dos casos significará que o outro agente de mediação terá – do seu ponto de vista estritamente financeiro – uma motivação reduzidíssima para que o seu cliente compre aquele imóvel. E acredite, se é proprietário de um imóvel que está à venda, a coisa que mais deseja é ter agentes imobiliários das mais variadas marcas motivados para apresentar a sua casa aos seus clientes. E como estas duas marcas que referi, outras há de dimensão inferior e políticas idênticas, sem a mesma capacidade de atrair clientes da ERA ou até mesmo da SOTHEBY’S.

 

Qual é a consequência destas politicas? São milhares e milhares de agentes a ignorar a promoção da sua casa. Porquê? Porque estes são os mesmos agentes que, quando o assistem na compra de casa, não lhe combram qualquer montante para o ajudar com essa pesquisa, selecção, negociação e concretização do negócio. Porque esperam ser remunerados com metade do que a marca angariadora cobra ao proprietário da casa para a promover. Logo, quando escolhe uma marca imobiliária que não partilha os imóveis angariados com outras marcas (ou dificulta essa acção), está a fazer uma coisa muito simples: a reduzir as probabilidades de vender ou arrendar a sua casa porque afasta os profissionais de outras marcas de mediação nos quais muitos compradores depositam as suas expectativas. Porque ela vai, com toda a certeza, chegar a menos pessoas, gerar um número menor de interessados e obter menos propostas. E como qualquer outro produto disponível no mercado, a percepção do valor da sua casa é condicionada pelo número de pessoas que pode estar interessado nela. Menor procura, menor valorização.

 

Por todos estes motivos, assinar um contrato de exclusividade com vista à promoção do seu imóvel com uma marca que não partilha comissões com outras marcas imobiliária (ou apenas o faz nas condições acima descritas), é uma absoluta irracionalidade.

Uma outra nota para aqueles que procuram casa: não espere que uma marca que não partilha as suas angariações com outras marcas lhe sugira que faça uma visita (seja para compra ou arrendamento) de uma casa que não faça parte do seu inventário de angariações. Tipicamente a sua prioridade será escoar o seu stock de produto, em detrimento de lhe apresentar uma selecção realmente ampla de imóveis.

5%?

5% é o valor da comissão mais comum a ser praticado em Portugal. E o valor que cobram, por regra, a esmagadora maioria das marcas de mediação com maior peso no mercado. Mais do que filosofar sobre a justiça deste valor importa perceber que, à semelhança do que acontece com o montante de fecho de uma transacção de um dado imóvel, este é o valor que o mercado ditou. Se algum profissional lhe tentar vender uma comissão de 6%, é bom que tenha uma óptima justificação para o fazer (sei que vai parecer uma anedota, mas a SOTHEBY’S é uma das marcas que pratica habitualmente 6%). O que posso dizer sobre esta matéria é o seguinte: tem de haver bons motivos para pagar mais 20% do que o resto do mercado. E se alguém sugerir cobrar menos também é capaz de ser razão para se interrogar. Regra geral, se uma empresa se disponibiliza a praticar preços abaixo da concorrência é porque reconhece que a sua proposta de valor é menos atraente que as demais. Empresas com menos recursos tendem a ter carteiras de clientes mais pequenas e, por conseguinte, estão mais dependentes da partilha de negocio com outros players (e se cobrarem menos 1%, têm menos 0,5% para oferecer). Isto é, pagar abaixo de mercado pode ter uma consequência simples: que o mercado se interesse menos pelo que se tem para oferecer.

A promoção competente do seu imóvel deve ser a sua prioridade, mas ter uma percepção de como funciona o mercado também pode ser relevante.

 

 

Em resumo

O mercado de mediação imobiliária compreende alguma diversidade. Diferentes estratégias podem gerar um impacto significativo na forma como o seu imóvel é promovido ou no tipo de acompanhamento que é feito a quem procura casa para comprar ou arrendar. E porque não dizê-lo? Na qualidade de um e outro serviço. Comprar e vender casa são, quase sempre, transacções demasiado grandes para que não nos preocupemos em quem devemos confiar. Sugiro que se dedique sempre a dissecar cada marca (percepção) à sua verdadeira proposta de valor (realidade).

Obviamente que pagar 4%, 5% ou 6% de uma transacção são coisas diferentes. Mas como em qualquer outra prestação de serviço, tentar percepcionar a relação qualidade/preço do serviço que é oferecido (a promoção de um imóvel pode envolver um grande investimento), é um ponto essencial para tomar a melhor decisão. Acredito que a tendência é para que as marcas de mediação trabalhem cada vez melhor. Mas isso vai depender essencialmente de uma coisa: clientes mais exigentes.

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