Mercado imobiliário

Olhar para 2020 com base no que aconteceu em 2019

Há precisamente uma semana, partilhei algumas fontes estatísticas que nos remetem para o volume e número de transacções imobiliárias em Portugal e respectivos valores/m2. Agora vou tentar demonstrar, com base nessas mesmas fontes, como parte daquela informação é indispensável para tentar perceber o que poderá acontecer em 2020.

Lisboa

por Falko Seidel

Os dados nacionais sobre o 3º trimestre de 2019: número idêntico de transacções, valores mais altos

Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), o Índice de Preços da Habitação (IPHab) do 3º trimestre de 2019 aumentou 1,2% em relação ao trimestre anterior (que, face ao 1º trimestre de 2019, havia crescido 3,2%) e 10,3% em relação ao 3º trimestre de 2018. Para mais detalhes sugiro que consulte a própria fonte. A mim importa partilhar consigo os dois dados que considero mais interessantes. O primeiro é que estes contratos de compra e venda geraram 6,47 mil milhões de euros em transacções de habitações, valor recorde num único trimestre em Portugal. O outro diz respeito a valores acumulados: entre Janeiro e Setembro de 2019 venderam-se em Portugal apenas menos 24 imóveis que no mesmo período em 2018. Parece insignificante? Acredito que este valor lhe pareça ainda mais pequeno se tiver a percepção de que os números em causa são, respectivamente, 132.246 e 132.270 imóveis transacionados.

 

Lisboa e a sua área metropolitana abrandam

É verdade que na Área Metropolitana de Lisboa (AML), o 3º trimestre de 2019 registou, face aos três meses imediatamente anteriores, um aumento de 4,6% e 7,3%, respectivamente, no número e no volume de transacções. Mas entre Janeiro e Setembro de 2019 contaram-se apenas 97,3% das transacções registadas em 2018, ano em que, por sua vez, se transaccionou 99,7% do volume verificado em 2019. Agora convido-o a comparar estas variações quase imperceptíveis com as cinco subidas sucessivas do número de transacções anuais (entre os 11% e os 31%) e dos valores anuais transaccionados (entre os 21% e os 34%), registadas entre 2013 e 2018. Dá que pensar, não dá? Quando no dia 23 de Março for publicado o relatório do INE que fechar os números de 2019, o resultado – salvo comportamento imprevisível do 4º trimestre – deverá ser claro: as transacções imobiliárias na AML e os seus respectivos montantes parecem estar a estabilizar.

E os valores/m2? Recolhi todos os dados disponíveis das Estatísticas de Preços da Habitação ao nível local, até ao 2º trimestre de 2019. Atente por favor, no gráfico abaixo, à evolução da mediana do preço/m2 ao longo dos últimos trimestres em Portugal, na AML e em Lisboa. Uma coisa é certa: os sinais apontam para uma estagnação do custo do solo na capital em 2020.

Evolução do valor mediano das vendas por m² de alojamentos familiares em Lisboa, AML e Portugal (€/m2)

fonte: INE

Os valores não estagnam em bloco. O que desce e o que sobe?

Entre o 2º trimestre de 2018 e 2º trimestre de 2019 (ver por favor tabela abaixo) o valor mediano de venda/m2 das habitações desceu em apenas uma freguesia em Lisboa: Parque nas Nações (-5,5%). Mas como pode comprovar na mesma tabela, a vizinha Marvila registou um crescimento recorde de 85%. Provavelmente parecer-lhe-á difícil de acreditar mas esta aberração estatística tem, na sua essência, uma justificação aparentemente simples: o Prata Riverside Village. Um empreendimento na zona ribeirinha de Marvila (a 600 metros da Fábrica do Braço de Prata), cujo projecto planeia a edificação de cerca 500 fogos distribuídos por 12 edifícios (dos quais apenas um está habitado e outro em construção).

A maior parte dos apartamentos tem valores de mercado entre os 500.000€ e os 1.500.000€. Desta forma, o Prata Riverside acaba por influenciar o valor do solo naquela freguesia de duas formas. Pelas transacções que ali se vão realizando, a valores/m2 muito acima da média local. E pelo efeito que um empreendimento prime hiper-mediático – com a assinatura do Renzo Piano (autor do Centre Georges Pompidou e vencedor do Prémio Pritzker), e a ambição de revolucionar aquela zona da cidade – gera na percepção do valor/m2 de uma freguesia que, até há poucos anos, parte dos lisboetas teria dificuldade em localizar no mapa. Se passar os olhos por esta notícia de há um ano, perceberá que estamos a falar de uma tendência, e não uma dinâmica isolada.

Valor mediano das vendas por m² de alojamentos familiares (€/m2) e evolução homóloga (2ºT 2019)

fonte: INE

E para que acredite realmente no quão importa estar atendo às dinâmicas locais partilho mais uma curiosidade: no mesmo quadro que acabou de ler, mas referente ao 2º trimestre de 2018, Marvila era a única freguesia de Lisboa a apresentar uma variação anual negativa dos valores medianos de venda de casas (-6,5%).

Qual a melhor estratégia?

Se leu os parágrafos anteriores com atenção – e sem prejuízo de acompanhar indicadores macroeconómicos (como a evolução das taxas de juro ou a capacidade da indústria do sector em fazer face à procura existente de habitações)vai provavelmente concordar que os bons negócios vão residir na sensibilidade e no discernimento para entender as dinâmicas locais. Na identificação prévia e na compreensão de fenómenos de contágio positivo (mais infra-estruturas, melhor acessibilidades, serviços mais variados) que, quase sempre, partem de zonas mais centrais, mediáticas e valiosas, para bairros mais periféricos, desconhecidos e depreciados. Os bons negócios estarão nesses sítios. E estarão aí por um motivo muito simples: porque se tratam de zonas sobre as quais, de forma geral, existirá a expectativa de que ali se vive(rá) melhor do que lá se viveu no passado. Porque, em última análise, o metro quadrado vale essencialmente em função de uma coisa: da capacidade de ser (ou fazer outro) feliz num dado lugar.

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