Mercado imobiliário • Arrendamento
08 Outubro 2025
A imagem seguinte foi captada em Robben Island, na África do Sul.
É uma cela da antiga prisão com o mesmo nome (encerrada no final do século passado, e, entretanto, transformada em museu), onde Nelson Mandela passou a maior parte do seu cativeiro de quase 30 anos, que terminou apenas em 1990.
A verdade é que o único motivo pelo qual esta fotografia aqui aparece é meu desejo de ter uma imagem bonita, que possa representar uma dada realidade que, infelizmente, nada tem de bonita.
As restantes imagens deste artigo não são da África do Sul, mas de Portugal.
As restantes imagens deste artigo não são do século passado, mas de 2025.
As restantes imagens deste artigo não são de celas de prisão, mas de anúncios de quartos para arrendar.
Por Tasneem Jhetam.
Nos últimos dias decidi, à boleia do portal Idealista, olhar com mais atenção para os anúncios de “arrendamento de quartos” em Lisboa, e em outros concelhos do país.
E descobri que, muitas vezes, não só não parece que estejamos a falar daquilo que a lei entende por arrendamento urbano habitacional, como também não estamos a falar daquilo que o senso comum designa por quartos.
O que está em causa, grande parte das vezes, é assegurar "a permissão" (ia escrever “o direito”, mas não me parece a expressão mais adequada) para ocupar uma cama numa divisão onde, considerando algumas das imagens dos imóveis anunciados naquele portal, poderão dormir/viver até 7 ou 8 pessoas.
Os apartamentos geralmente apresentam cozinha equipada, uma ou mais casas de banhos, e despesas incluídas.
Mas nem sempre a descrição parece apelativa: encontrei um anúncio que descrevia um T4 com capacidade máxima para 16 pessoas e apenas uma casa de banho.
Deixo-lhe primeiro, em jeito de introdução, um curto registo vídeo dos primeiros 30 anúncios de quartos para arrendar disponíveis no portal a 4 de Outubro (num total de 2.852), no concelho de Lisboa, ordenados por ordem crescente de valor de renda.
O cenário lisboeta que acabei de reproduzir é replicado – ainda que de forma menos evidente – em municípios vizinhos como Amadora, Sintra, Odivelas, Oeiras, Almada ou Seixal.
Mas também parece ser uma realidade presente no Porto, Matosinhos e Vila Nova de Gaia, assim como nos muncipíos de Albufeira e Lagos.
Ainda que tenha muitas dúvidas sobre se estas propostas estarão em conformidade com a legislação do arrendamento urbano habitacional, e que os senhorios paguem impostos sobre o rendimento que auferem, poderíamos questionar-nos: se há pessoas que não conseguem pagar mais, será positivo que este tipo de oferta exista?
Aqui ao lado, em Espanha, uma das startups do momento – habitacion.com – tem como proposta de valor a comercialização da propriedade de quartos e co-propriedade dos espaços comuns/sociais de uma habitação, aparentemente, com o respetivo registo na certidão de registo predial do imóvel.
Uma coisa é clara: estes anúncios são a evidência do quanto se têm degradado as condições de vidas de tantas pessoas em Portugal.
Porque estamos, cada vez mais, a ser pressionados a subdividir algo que ninguém quer partilhar: o seu espaço vital.
Se dúvidas lhe restarem, sugiro que veja as imagens seguintes, leia as respetivas legendas e aceda aos anúncios.
E partilhe, porque esta é uma realidade que não pode passar ao lado dos decisores políticos.
Caso queira replicar a minha pesquisa no portal Idealista, deixo-lhe os passos.
Na página principal do portal:
--> escolhi Arrendar;
--> selecionei Quartos;
--> digitei Lisboa e cliquei sobre a opção Concelho (existe também a opção Distrito).
Quando apareceu a lista de anúncios de quartos:
--> ordenei a pesquisa por Baratos.
Ou então, use o link seguinte:
https://www.idealista.pt/arrendar-quarto/lisboa/?ordem=precos-asc.